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O momento brasileiro para IPO

janeiro 2024

Levindo Santos, sócio-sênior da G5 Partners
Carlos Macedo, sócio-fundador da Córtex Consultoria 

A nova onda de IPOs no Brasil 

O mercado público de ações tende a manter uma correlação direta com os ciclos de desenvolvimento econômico. Particularmente nos períodos de expansão, ocorre um processo de criação de valor no qual as empresas desempenham papel protagonista, resultando tanto na valorização das ações daquelas que são negociadas em Bolsa quanto no crescimento do número de empresas que ingressam no mercado através das chamadas ofertas iniciais de ações, comumente conhecidas pela sigla IPO (initial public offering). 

Após enfrentar uma das mais severas recessões de sua história, iniciada em 2014, o Brasil começou a dar sinais de recuperação econômica a partir de 2017. Esse processo veio acompanhado da gradual redução das taxas de juros e de uma valorização substancial das ações listadas em Bolsa. 

Selic X Ibovespa
Fonte Banco Central e Bloomberg

Entre 2014 e 2016, com a economia sofrendo os efeitos da recessão, apenas seis novas empresas conseguiram ingressar na Bolsa brasileira, a B3, em IPOs que movimentaram pouco mais de R$ 1,5 bilhão. Já no triênio seguinte, os efeitos da retomada econômica permitiram que 18 novas empresas concluíssem IPOs, captando mais de R$ 37,4 bilhões junto a investidores institucionais, locais e estrangeiros, além de pessoas físicas. 

Gráfico B: Volume Captado em IPOs x Número de Ofertas
MZ Group

A chegada de 2020 registrou um nível de otimismo poucas vezes visto no país, o que se refletiu diretamente na Bolsa. No dia 23 de janeiro, o Ibovespa atingiu o recorde de 119 mil pontos, e já no mês seguinte seriam realizados os primeiros IPOs do ano. A expectativa era de que a quantidade de empresas abrindo capital superasse a registrada em 2007, ano que marcou o ápice histórico dessa operação. Entretanto, a pandemia da covid-19, deflagrada ao final de março, derrubou os mercados do mundo inteiro, gerando insegurança e suspendendo os planos de abertura de capital de diversas companhias. Ao final do primeiro semestre de 2020, com os primeiros sinais de retomada da atividade econômica ao redor do planeta e a sinalização de avanço na produção de vacinas contra a covid-19, os mercados globais de ações registraram uma forte recuperação. Embora a maneira como a pandemia está sendo enfrentada até agora no caso particular do Brasil traga mais incertezas do que respostas, a Bolsa local também se beneficiou do otimismo mundo afora, terminando o ano em forte recuperação de preços e com o impressionante número de 28 IPOs que movimentaram R$43,7 bilhões. Três fatores diretamente relacionados foram preponderantes nesses movimentos: 

O primeiro deles é a taxa de juros medida pela Selic, que alcançou ao longo de 2020 o patamar mais baixo da história: 2% ao ano. Esse cenário praticamente obriga investidores a optarem por alternativas de investimentos de maior risco, como as ações, em busca de maior rentabilidade. 

O segundo é a expansão da base de investidores pessoa física. A queda da Selic combinada com o surgimento de plataformas de investimento (como XP) levou a um aumento no interesse de pessoas pelo investimento em ações e outros ativos de maior risco. Como consequência, a base de investidores pessoas físicas em Bolsa quase quintuplicou no período, passando de 619,6 mil em 2017 para mais de 3 milhões em dezembro de 2020. 

O terceiro fator é o papel de protagonista que os investidores institucionais locais passaram a assumir nos últimos anos, em substituição a grandes investidores globais. Um fato que, além de trazer uma maior estabilidade do capital disponível, facilita o diálogo entre empresas e o mercado investidor. 

Nesse contexto, dando continuidade a uma tendência iniciada em 2017, somente em 2020, mais de R$ 40 bilhões[1] que estavam investidos em renda fixa acabaram realocados para outras classes de ativos de maior risco, sobretudo a de renda variável. Apesar do ciclo de aumento de juros básicos sendo agora deflagrado pelo Banco Central, essa nova preferência por ativos de risco, inclusive ações, deve perdurar. 

O que esperar agora? 

Para 2021, os coordenadores de ofertas de ações acreditam que o ciclo de IPOs e follow-ons no Brasil deve continuar aquecido, podendo desafiar o recorde estabelecido em 2007. Neste ano, até o momento, 15 novas empresas abriram capital na Bolsa – a maior marca para os primeiros três meses do ano. A próxima “janela” para ofertas de ações, que se inicia em abril, pode levar mais de 40 empresas à Bolsa, somando R$ 50 bilhões em emissões — o que seria um novo recorde para um único período de emissões. Há ainda as ofertas subsequentes, feitas por empresas já listadas, que devem somar mais R$ 20 bilhões em novas emissões. Se a quantidade de IPOs impressiona, a diversidade de setores representados na safra iniciada em 2020 também chama a atenção. Uma variedade de construtoras e empresas de energia, setores já bem representados na B3, realizaram IPOs bem-sucedidos. No entanto, também passaram a integrar o clube de companhias de capital aberto no país nomes de setores ainda pouco representados, como de saúde (Rede D’Or), educação (Cruzeiro do Sul), varejo especializado (Petz, Grupo Soma, Track & Field, Quero-Quero e Pague Menos), tecnologia (Neogrid, Locaweb, Bemobi e Mosaico), além de empresas com modelos de negócios predominantemente digitais (Méliuz e Enjoei). 

Esse movimento comprova que, ao contrário de outras épocas – em que companhias de setores não tradicionais encontravam obstáculos para chegar à Bolsa –, investidores hoje têm apetite para ações de quase todas as indústrias. Uma última barreira a ser superada se refere ao tamanho mínimo para que uma empresa se qualifique a ingressar na Bolsa – investidores seguem preferindo as de maior porte –, mas a tendência é de que mesmo esse obstáculo seja gradualmente flexibilizado, tornando nosso mercado de ações ainda mais representativo da economia como um todo e um espaço efetivamente democrático. 

O risco de um novo voo de galinha 

É fundamental se manter em perspectiva que os IPOs representam um marco de desenvolvimento corporativo, o que exige muito cuidado na sua preparação e forte coerência na conciliação do seu desenho e dos objetivos estratégicos traçados para a companhia. A sequência de anúncios de desistência de IPOs ocorridos a partir de outubro de 2020 (19 ao todo) chama a atenção e acende uma luz amarela. Oscilações no humor no mercado são comuns, particularmente em momentos como o atual, caracterizado por fortes incertezas e um ainda frágil ambiente econômico, local e global. Porém, em alguns casos, esses cancelamentos decorreram da percepção formada pelos investidores de pouca consistência nas ofertas e de um comportamento predominantemente oportunista por parte de algumas das empresas – que, na prática, visavam apenas tirar proveito de uma “janela aquecida de mercado”. É possível que esse tenha sido também o caso de alguns dos IPOs que tiveram sucesso na sua execução, o que em breve se revelará quando essas mesmas empresas deixarem evidente que não estavam preparadas para o desafio, frustrando as expectativas criadas no mercado. Caso exemplos assim se proliferem, os efeitos poderão ser danosos. 

Para evitar a repetição de erros cometidos em “safras” anteriores de IPOs, quando diversas empresas despreparadas naufragaram pouco tempo depois de acessarem o mercado, causando grande prejuízo a investidores e à credibilidade do mercado em si, é importante que empresários, investidores, agentes financeiros e reguladores atuem com máximo critério e responsabilidade. De outra forma, o risco de um novo “voo de galinha” no mercado causado por empresas que simplesmente não estavam preparadas para sustentar as histórias contadas em seus IPOs poderá colocar em risco até o próprio desenvolvimento do nosso ainda incipiente mercado de capitais. Por isso, todo IPO deve ser cuidadosamente planejado, com base nos objetivos estratégicos da empresa e apoiado no entendimento e no comprometimento de acionistas e executivos com as transformações corporativas exigidas pelo processo. Investidores, tanto profissionais quanto amadores, têm apetite por teses de investimento que apresentem consistência, embasamento e potencial de crescimento – todos ingredientes importantes para o sucesso de uma operação. 

Um dos desafios fundamentais é assegurar que os acionistas da empresa estejam aptos a participar, de forma ativa e consciente, de todo o processo decisório do IPO. Desenvolver uma visão fundamentada sobre o valor da empresa, criar mecanismos de relacionamento societário e definir a estrutura e os termos propostos para o IPO são aspectos particularmente importantes. Além disso, há a necessidade de se reafirmar o compromisso de diálogo contínuo e construtivo com investidores e analistas de mercado, apoiado numa estrutura de governança que garanta o cumprimento das leis e se balize pelos princípios de transparência e accountability no pós-IPO. Seguindo esses parâmetros, o relacionamento com o mercado de capitais em geral, e o mercado de ações em particular, pode ser longo e exitoso. 


[1] Fonte: Anbima

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