
Os escândalos corporativos de grandes proporções do início do século, como os que envolveram Enron, WorldCom e Tyco, provocaram reações de legisladores e reguladores mundo afora. Além de profundas mudanças regulatórias, como as introduzidas pela Lei Sarbanes-Oxley nos EUA, diversas outras iniciativas ampliaram as responsabilidades dos conselhos de administração para garantir sua independência e reforçar seu papel como órgão de fiscalização direta da administração.
No Brasil, novas estruturas regulatórias e iniciativas introduzidas desde o início dos anos 2000 foram um reflexo objetivo desse movimento. Dentre elas incluem-se a revisão da Lei 6.404/76, criação do Novo Mercado pela Bolsa, do Instituto Brasileiro de Governança Corporativo (IBGC) e da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (AMEC), além da promulgação da Lei Anticorrupção (12.846/2013). Mesmo assim, o novo arcabouço regulatório e de governança nacional, incluindo-se aí os aparentemente revigorados conselhos de administração, não foram capazes de evitar incontáveis escândalos corporativos e de corrupção envolvendo algumas das maiores empresas públicas e privadas do país.
Por que tamanha fragilidade do nosso sistema de governança corporativa? Quais as implicações para os conselhos de administração? Como os conselhos poderão evoluir para cumprir suas responsabilidades, num cenário de crescente rigor regulatório, grande inovação e constante escrutínio por parte da mídia e de investidores ativistas?
O relacionamento entre o conselho e o CEO é um dos determinantes mais importantes do sucesso de uma empresa. Para forjar um relacionamento de sucesso, tanto conselho quanto CEO devem ter um entendimento claro do papel, requisitos e limitações de lado a lado. Essa divisão de responsabilidades só será bem-sucedida se CEO e conselho compartilharem dos mesmos objetivos. As duas partes devem compreender e estar de acordo com as prioridades estabelecidas, cabendo ao conselho a definição das diretrizes estratégicas e ao CEO a responsabilidade pela sua execução.
Além disso, conselhos modernos precisam estar preparados para exercer uma supervisão ampla das atividades da empresa, assegurando o cumprimento de diretrizes regulatórias cada vez mais rigorosas e identificando os riscos impostos pelas frequentes alterações no ambiente de negócios. Nesse processo, a qualificação do conselho é outro aspecto fundamental. Os dias dos conselhos que se reuniam protocolarmente a cada três meses para uma atualização geral dos negócios chegaram ao fim. Atuar apenas com base no que está acontecendo hoje já não é suficiente. Os conselhos precisam atuar de forma próxima, fazendo as perguntas certas e forçando o debate sempre a partir de um olhar amplo para o mundo, aprofundando-se nas discussões de forma a antecipar riscos e antever oportunidades. Portanto, é imperativo que os membros do conselho possuam conhecimento amplo de negócios, além da capacidade de se comunicar com clareza e eficácia para fomentar e estimular a discussão.
Outra qualidade imprescindível aos conselhos modernos é a de se antecipar a situações naturalmente mais complexas ou que apresentem um potencial para conflitos de interesses para os administradores. Transações de fusões e aquisições oferecem exemplos relevantes desse tipo de situação. Obviamente, nem toda transação de fusão e aquisição merece tratamento especial pelo conselho, mas os casos envolvendo empresas de controle acionário difuso ou onde haja acionistas relevantes sentados dos dois lados da mesa, são tipicamente mais complexas e sensíveis. Além disso, transações de desinvestimentos relevantes ou de aquisições transformacionais sugerem maior prudência e tratamento especial por parte do conselho.
Em qualquer dessas situações, um recurso importante que está disponível aos conselhos é o uso de cartas de fairness opinion, um documento emitido por um assessor independente e livre de conflitos de interesse, contratado pela empresa sempre que solicitado pelo conselho de administração. Na prática, a carta de fairness opinion atesta se uma dada transação de fusão, venda ou aquisição que tenha sido proposta ao conselho pela administração ou recebida de um terceiro de maneira não solicitada, é “justa do ponto de vista financeiro para os acionistas da empresa contratante”.
Embora ainda não haja uma normativa específica no Brasil que estabeleça quando se deve contratá-la, é cada vez mais comum entre conselhos locais o uso dessa prática para garantir que estão agindo de forma diligente e responsável, sempre no melhor interesse de todos os acionistas. No Brasil, conselhos de administração de empresas como Petrobras, Taesa e Eneva já se valem de forma rotineira do uso de cartas de fairness opinion na implementação de suas iniciativas estratégicas, oferecendo um exemplo importante a ser seguido.
Outra transformação recente e importante no ambiente de negócios brasileiro é o crescimento do número de companhias com capital pulverizado no mercado de capitais. Nesses casos, onde não há a figura de um único acionista ou um grupo menor de acionistas controladores, passa a ser importante que os conselhos de administração saibam identificar e reagir adequadamente a eventuais tentativas de aquisição de controle por terceiros que possam se caracterizar como “hostis” aos interesses da sociedade e de seus acionistas.
Os mecanismos de defesa contra as tais “aquisições hostis”, conhecidos como “poison pills”, podem assumir diversos formatos, podendo ser planejados para inibir a possibilidade de eventos dessa natureza ou para ser implementados quando e se uma oferta de aquisição hostil for efetivamente anunciada. Um dos mecanismos desse tipo mais frequentemente utilizados no país é o dispositivo estatutário que exige que qualquer adquirente que acumule participação superior a um percentual previamente determinado (tipicamente entre 20% e 30%) realize oferta pública para adquirir todas as ações da companhia.
Entretanto, a aplicação de “poison pills” ainda carece de exemplos mais relevantes no Brasil. Além disso, por aqui a maioria desses mecanismos só pode ser implementada (ou retirada) dos estatutos sociais diretamente pelos próprios acionistas, o que limita sobremaneira a atuação direta dos conselhos de administração. Em todo caso, permanece importante que os conselhos de administração de empresas com capital pulverizado se mantenham alertas a esse tipo de situação para orientar seus acionistas, atuando sempre de forma diligente e objetiva, fundamentando suas conclusões em estudos financeiros e jurídicos preparados por seus próprios assessores independentes.