Já se passou um mês desde o segundo turno da votação que elegeu o Presidente Lula, e “o que fazer com meu portfólio?” ainda é a grande pergunta da maioria dos clientes da G5. Após a primeira semana de euforia, o BRL/USD voltou para perto de R$5, e o Ibovespa chegou próximo da máxima dos últimos 12 meses. As falas do presidente eleito ainda deixam o mercado bastante ansioso, mas a realidade é que Lula está apenas reafirmando o discurso de toda a sua campanha. Como muito bem colocado recentemente por André Jakurski “o plano de governo já foi verbalizado, quem não entendeu ainda deve melhor prestar atenção”. E isso foi o que a maioria dos eleitores escolheram em 30/10. O fato é que a falta de definição da equipe econômica (na verdade, de toda a equipe!) tem gerado incerteza e insegurança, aumentando a volatilidade dos ativos. A desconfiança fez com que os ativos de risco devolvessem, após 30 dias, todos os ganhos dos primeiros dias do mês – com a curva longa de juros abrindo mais de 100 pontos. Revertendo a tendência de queda de juros no curto prazo, os juros reais fecharam acima de 6%, e a bolsa fechou praticamente estável, após inclusive testar as mínimas do movimento desde meados de agosto, mas se mantendo acima das médias móveis de 100 e 200 dias.
O tema fiscal tem dominado todas as conversas e literaturas das últimas 4 semanas. Muitos com opiniões e teorias a respeito de como a regra do teto deveria mudar, o que não é o ideal, mas é consenso que alguma limitação de crescimento de despesa e dívida deveria existir. O discurso do presidente eleito, do social a todo custo, cai muito mal não só com o mercado, que penaliza os ativos de risco, mas também com o bom senso. Até uma carta foi enviada por três importantes economistas, que foram vocais no apoio a Lula nas eleições, clamando pela responsabilidade nos gastos do governo. Talvez, se o Presidente Bolsonaro tivesse sido reeleito, o problema fosse o mesmo, já que as promessas de campanha eram similares. Porém, ele não foi escolhido, e um governo vive de credibilidade, e o mercado de expectativas. E não que o mercado não seja a favor de uma política social de inclusão e melhor distribuição de renda, porém essa política social deve, necessariamente, ter responsabilidade fiscal. Na prática, um âmbito fiscal ajustado, ao longo do tempo, leva à redução da taxa de juros, que favorece o ambiente de negócios, proporcionando um crescimento mais acelerado, o que consequentemente gera mais empregos e melhora a distribuição de renda.
Torcemos muito pela confirmação de nomes mais ao centro, para compor com Haddad, se ele for mesmo escolhido na Fazenda. Apesar do nome de André Lara Resende ser muito melhor do que qualquer quadro inhouse que o PT poderia colocar à disposição do país, até ele o mercado vê com desconfiança. Não no que se refere à sua capacidade, pois é um economista laureado, com experiência no setor público e qualificação indiscutível. Mas, qualquer heterodoxia hoje que soe perto da Monetary Modern Theory (MMT), aliada ao PT, em um Estado ainda inchado e que gasta mal demais, é difícil de convencer, o mercado de que seria a solução ideal. Ainda mais depois de 4 anos de um governo ortodoxo (ou, pelo menos, no discurso). E para piorar, uma política fiscal expansionista seria um total descompasso com a atual política monetária restritiva praticada pelo Banco Central do Brasil. As políticas monetárias e fiscais deveriam se comunicar de alguma forma: é como aquele jogo que derruba as peças de dominó em cadeia. Tudo tem que estar em perfeito ajuste; caso contrário, as peças não caem e o jogo se encerra. Isso significa que não adianta o Banco Central subir os juros para aumentar o custo do dinheiro, frear a economia e, consequentemente, tentar frear a inflação enquanto o Governo injeta bilhões na economia.
Além dos desafios da sintonia fina da política fiscal, o governo Lula encontrará uma situação de país e mundo muito diferentes de 2002, quando os juros americanos (Fed Funds) foram para 1% (em junho de 2003). A tragédia do 11/9 e a recessão causada pela crise do “dot-com”, que durou até novembro de 2001, bem como uma inflação ao redor de 1,5%, levaram o FED a manter as taxas baixas por um longo período. Com isso, a rápida recuperação americana fez com que, nos primeiros 4 anos do Governos Lula, o PIB da economia americana crescesse na média 3.2% ao ano. Sem falar no crescimento acelerado da China (em média mais de 11% ao ano) nos 8 anos de governo Lula, com efeitos sem precedentes na balança comercial, de pagamentos, mudando de patamar, entre outros, a Vale do Rio Doce e o Agronegócio no Brasil. Era o famoso tempo em que o Brasil “surfava” a onda de crescimento mundial. O cenário no mundo de agora nem de longe lembra a bonança do início do século. A covid-19 ainda é uma realidade na China, país cujo crescimento vem revisto para baixo a cada mês – a média nos 4 últimos anos é de menos de 5% de crescimento ao ano (para 2022, estima-se menos de 3%). Diante da guerra na Ucrânia – e um cenário geopolítico dos mais desafiadores em décadas, além de uma inflação resiliente, tanto nos EUA quanto na Europa, faz com que o processo de aperto monetário ainda não esteja no fim, apesar de parecer mais próximo. Isso tudo faz com que a expectativa da OCDE de crescimento do PIB Global em 2023 seja de em torno de 2,2% (nos EUA, míseros 0,5%). E torcer para a economia ir mal, para o ciclo de aperto monetário se encerrar mais rápido, é uma torcida ruim!
No campo doméstico, podemos dizer que Lula sentirá saudades da “herança maldita”, que ele tanto criticou ao receber de FHC a faixa de presidente em 2003. Os desafios da política fiscal, apesar de serem o foco do debate atual, nem serão os seus maiores desafios. O fiscal será condição fundamental para o Brasil não afundar de vez, mas não é garantia de sucesso, mesmo se ajustado. É eliminatório, mas não classificatório. Embora o Brasil esteja na vanguarda e o Banco Central já tenha feito grande parte do trabalho de aumento de juros ao longo de 2022, ainda há dúvidas se a inflação está totalmente dominada, e o custo para a sociedade tem sido enorme (Boletim Focus de 28/11 estima inflação para 2023 de 5% e 3.5% em 2024 – retornando para perto da meta). O modelo dos primeiros governos de Lula, com a criação de diversos programas sociais e de crescimento baseado no aumento do consumo das famílias, dificilmente (infelizmente) vai se repetir no próximo mandato. O nível de endividamento das famílias brasileiras, hoje, bate recorde atrás de recorde (dados de setembro mostram que quase 80% das famílias estão endividadas, sendo 30% com pagamentos em atraso – ambos números recordes da série histórica). Além do mais, a inflação e a falta de aumento real do salário-mínimo nos últimos anos corroeram todo o poder de compra das famílias mais pobres – segundo o DIEESE, em 2021 o número de cestas básicas adquiridas pelo salário-mínimo voltou a níveis não vistos desde 2004 (estatística cortesia de Carlos Belchior), e imaginamos que esse número tenha piorado nesse último ano. O crescimento esperado do PIB brasileiro para 2023 não passa de 0.7% e, para os anos seguintes, 1.7% e 2%, respectivamente, segundo o Boletim Focus de 28/11. Números realmente muito abaixo do necessário para que o País entre em qualquer rota de prosperidade.
Entre erros e acertos, como em todos os governos anteriores, o Governo Bolsonaro também deixará diversos legados para os próximos 4 anos: dentre os acertos relevantes, destacam-se uma tímida reforma da Previdência no início de seu mandato (era o que dava pra aprovar, portanto, em alguns anos, uma nova reforma será certamente tema de discussão); autonomia do Banco Central (Bolsonaro também se vangloria da criação do PIX); quase uma centena de bilhão de vendas de ativos do BNDES (inclusive a privatização da Eletrobrás); o marco do Saneamento, que viabilizará centenas de bilhões em investimento em infraestrutura nas próximas décadas; além de superávit primário (após 13 anos de déficits) – apesar de contas públicas desarrumadas e diversas despesas represadas para 2023. Por isso, nem o mais otimista imaginava que após a pandemia do Covid 19 a dívida bruta/PIB do Brasil terminasse 2022 próximo a 74% do PIB.
Esperar que, em 4 anos, o Presidente Lula tire o País da lama, algo que se arrasta por quase uma década, seria esperar demais, e até injusto. Esperar que vamos resolver ou melhorar de forma relevante a administração federal, voltar a industrializar o Brasil, diminuir a desigualdade e pobreza, ser mais competitivos, respeitar o meio ambiente etc., parece um long shot. Pensar em uma tão necessária reforma tributária seria mais provável, mas, infelizmente, uma reforma administrativa, nem pensar. Até porque, para que apenas um dízimo de tudo acima seja alcançado, Lula necessitará de capital humano e ideologias muito diferentes da trupe que o acompanha por muitas décadas. Ademais, é surpreendente o mercado comemorar a eleição dos nossos novos integrantes do Congresso, mesmo que seja para contrapor, em muito, o que Lula tentará viabilizar. De que realmente adianta contrapor apenas para tirar vantagem, e não por um Brasil melhor, como estamos vendo agora na negociação da PEC da Transição? Dado que o espaço para investimento do governo é limitado, ter uma parcela relevante das despesas discricionárias (investimentos) do governo em 2023 decididas por esse Legislativo, via emendas de relator, não pode ser o melhor para o País.
O Presidente Lula encontrará um mundo com muito mais boa vontade com o Brasil do que a administração anterior encontrou – talvez até por falta de opção. Diversos investimentos no Brasil, outrora represados por Países Europeus e pelos EUA no governo Bolsonaro, já voltaram à pauta. A necessidade e a vontade de uma menor dependência da Europa em relação à Rússia e China, fazem com que o retorno das conversas ligadas a algum acordo entre Mercosul e UE seja uma realidade. As restrições a investimentos na Rússia, bem como o ambiente cada vez mais desafiador para investir na China, também contribuem para investimentos no Brasil. O crescimento do mundo continua sendo via os países emergentes, e o Brasil e sua economia são grandes o suficiente, com mão de obra competitiva, e pode ser um dos grandes beneficiados desse movimento. Apenas como referência, o Brasil já teve quase US$74 bilhões em investimentos diretos estrangeiros (IED) no ano até o mês de outubro, mais do que os US$50 bilhões do ano inteiro de 2021. Importante o Presidente Lula respeitar e manter a independência das agências reguladoras, já que o setor de infraestrutura será um dos grandes canais de investimento desse capital estrangeiro (e também privado) nos próximos anos.
Mesmo que os primeiros sinais para o próximo governo tenham causado ansiedade e deslocamentos relevantes de preço, no final, o fundamento de Brasil continua sólido. Como exemplo, o Credit Default Swap de 5 anos (CDS 5Y), ativo em que investidores podem apostar na possibilidade de default do Brasil, caiu de 279pts no dia anterior à eleição para 246pts no final de novembro (o CDS liquida em 10.000, então paga-se 246pts para ganhar 10.000pts caso o Brasil entre em default – 2.46% de prêmio). Isto é, na percepção de investidores, caiu a chance de o Brasil dar default. Para efeito de comparação, na eleição de 2002, o CDS 5Y do Brasil chegou a bater mais de 3.000pts!
Consideramos os ativos brasileiros, em geral, “baratos”. Temos obviamente ciência de que um novo Governo heterodoxo, que gasta mal e sem compromisso com reformas e ajustes, pode, de certa forma, fazer com que esses preços continuem “baratos” por mais algum tempo. Entendemos que nosso processo de “Asset Allocation”, além de preparar o portfólio para as eventuais “turbulências” que passaremos, será responsável pela magnitude em que capturaremos as oportunidades ao longo dos próximos anos. A geração de alpha em cada classe também é de suma importância no processo. Dito isso, entendemos que o melhor risco retorno no Brasil ainda é nos ativos de juros reais e nos ativos privados. Títulos públicos com juros reais acima de 6% (NTNBs) em geral, são excepcionais pontos de entrada – ainda mais somados ao prêmio de crédito, de uma debênture, atingindo entre 7-8% ao ano acima da inflação e, ainda por cima, em muitos casos, isento. E não é toda hora que conseguimos montar uma carteira de qualidade com esse tipo de gordura de taxa. Na parte dos ativos privados, o cenário atual de juros altos vai gerar excelentes oportunidades– do crédito de menor risco ao mais estressado e das classes de PE/VC que costumam ter excelentes safras, após os ciclos de aperto monetário. Entendemos que tempos difíceis trazem excelente oportunidades, e nos manteremos focados na entrega de resultados personalizados para nossos clientes.