Por Wagner Azevedo, CFA, Sócio-Administrativo da G5 Partners
As grandes crises anteriores do mercado financeiro podem nos fornecer algum paralelo com a atual crise causada pelo novo Coronavírus ou Covid-19? As ações adotadas para minimizar os impactos dessas crises deixaram algum legado que tem sido utilizado atualmente? Desta vez, alguma herança benigna será deixada para as próximas gerações?
As três crises anteriores que mais impactaram os mercados financeiros até os dias de hoje tiveram seus epicentros nos Estados Unidos. São elas, por ordem cronológica: A Grande Depressão de 1929 a 1933; a crise de 198; e a crise de 2008, também conhecida como a Crise Financeira Global.
A forte queda da bolsa americana em 1929 marcou o início da Grande Depressão. Em seu pior momento, no dia 28/10/1929, o índice Dow Jones caiu 12,3% na data que ficou conhecida como a Black Monday. Essa crise teve como causas: um sistema bancário extremamente deficiente, dominado por uma quantidade enorme de pequenos e pouco diversificados bancos; uma bolha imobiliária; e forte aumento do endividamento durante os prósperos anos 20.
Entre os desastres causados entre 1929 e 1933, o PIB norte-americano declinou 29%, preços caíram 25% e a taxa de desemprego elevou-se para 25%. A atitude do governo à época foi completamente passiva. Uma frase do então Secretário do Tesouro Mellon não deixa dúvidas: Liquide-se o trabalho, liquide-se as ações, liquide-se os fazendeiros, liquide-se o mercado imobiliário. Isso irá extinguir a podridão do sistema”. Não há um fato isolado que possamos atribuir como a causa do fim da Depressão. Houve alguns programas de estímulo que ajudaram, mas o volume de recursos governamentais nunca foi grande o suficiente para dar fim à crise e muitos atribuem à Segunda Grande Guerra e aos investimentos associados a ela para produção de armamentos o motivo da recuperação da economia americana.
Na segunda grande crise dos mercados, em outubro de 1987, a bolsa de valores americana sofreu um grande colapso mais uma vez, tendo o índice S&P500 despencado 20% em um único dia. Esse evento foi muito significante, não somente pelo tamanho da queda, mas, também, por ter demonstrado a fraqueza dos sistemas de negociação que, em momentos de estresse, com os preços rapidamente declinantes, potencializaram os danos. Em resumo, foram três os problemas de tais sistemas – a incapacidade de processar um número abissal de ordens em um momento caótico; os programas de execução automatizada de ordens; e os volumes e prazos das chamadas de margens. Com o objetivo de tranquilizar os mercados e evitar qualquer respingo na economia real, o FED, como é chamado o Banco Central norte-americano, entrou em ação para fornecer liquidez ao mercado financeiro, e o fez de maneira pública, de forma a restabelecer a confiança do investidor. Por meio de operações no mercado aberto, injetou liquidez no sistema e reduziu as taxas de juros.
A Crise Financeira Global de 2008 teve origem após um longo período de taxas de juros anormalmente baixas, fiscalização falha dos agentes reguladores e um mercado imobiliário exageradamente aquecido. O default de uma quantidade significante de subprime mortgages (hipotecas com baixa classificação de risco) respingou em todo o mercado por meio dos derivativos aos quais estas hipotecas estavam associadas, travou o mercado de empréstimos interbancários, levando a crise para os bancos comerciais e de investimentos. O banco Bear Stearns quebrou, mas foi salvo pelo FED e incorporado pelo JP Morgan, em um episódio em que a máxima Too Big to Fail, ou grande demais para quebrar, mais uma vez foi aplicada.
Por fim, quando o então secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, anunciou que permitiria que o gigante Lehmann Brothers quebrasse, os mercados despencaram, o crédito congelou e o contágio em um mercado globalizado resultou em uma enorme crise em nível mundial. Mais uma vez, a recuperação se deu via injeção de recursos na economia, com e gastos públicos, salvando bancos, seguradoras, fabricantes de carros e direcionando recursos aos consumidores e pequenas e médias empresas por meio de cortes de impostos e liberação de cheques de ajuda financeira. Segundo Ben Bernanke, presidente do FED entre 2006 e 2014, a Crise Financeira Global teve potencial para ser mais destruidora do que a Grande Depressão, o que só não ocorreu dada a diferença entre o nível de respostas dos órgãos governamentais entre as duas. Enquanto durante a Grande Depressão o envolvimento do governo permaneceu mínimo, desta vez as respostas das autoridades governamentais foram ágeis e profundas.
A crise atual gerada pela Covid-19 é completamente diferente de todas as outras crises anteriores. Do ponto de vista econômico é a primeira vez que se vê um rompimento simultâneo da oferta e da demanda. Enquanto indústrias e prestadores de serviços paralisados reduzem a oferta em muitos produtos e serviços, o consumidor, com a súbita perda de seu poder aquisitivo e com a deterioração das perspectivas futuras, diminui o consumo ao nível mínimo para sua subsistência. Do ponto de vista de abrangência, trata-se de uma pandemia, atingindo quase duas centenas de países, impactando de forma inédita a relação comercial entre os países e prejudicando o fornecimento de equipamentos hospitalares essenciais para o tratamento de infectados em estado grave.
O aprendizado absorvido em crises anteriores é de suma utilidade. Os governos por todo o mundo, mais particularmente nos EUA e no Brasil (e nem tanto na UE), estão usando a experiência adquirida na Crise de 2008 e entenderam que é preciso colocar dinheiro nas mãos das pessoas e ajudar as empresas rapidamente. Em 2008, foram quatro meses para que os americanos aprovassem um plano financeiro de US$ 800 bilhões, mas, desta vez, o Congresso dos EUA aprovou em apenas uma semana um plano de US$ 1 trilhão. O Brasil está tomando todas as medidas possíveis para responder à crise. O Banco Central do Brasil tem sido extremamente rápido ao tomar iniciativas para manter o sistema bancário líquido e estável e tentar fazer com que o crédito possa servir como canal de impulso ao crescimento. Além disso, os Poderes Executivos e Legislativos têm editado diariamente diversas medidas para ajudar no enfrentamento da crise, no que já pode ser considerada a maior injeção de recursos na economia na história. É importante, neste momento, que o setor privado, em especial os bancos, dê também sua cota de ajuda.
Mas, desta vez, o que pode ser aproveitado das crises anteriores tem uma grande limitação. Há um elemento novo, um vírus, que afeta literalmente a vida das pessoas. Esse vírus foi detectado nos principais países ocidentais há apenas algumas semanas e, por isso, o conhecimento médico e científico sobre ele é baixíssimo. Contra ele ainda não existe cura, vacina ou tratamentos comprovadamente eficazes. As únicas medidas para evitar sua disseminação são o distanciamento social, o isolamento e as quarentenas dos contaminados. Por esse aspecto, estamos vivendo dias em que há muito mais que se possa comparar com a gripe espanhola de 1917 do que com a crise global de 2008.
Em resumo – crises acontecem e, quando terminam, a recuperação é sempre muito forte. Mas há ainda um enorme desafio pela frente até que isso aconteça. Este vírus permanecerá circulando entre nós por muito tempo. Desta forma, além das medidas adotadas até aqui, em algum momento teremos que tomar decisões cruciais de como e quando iremos sair do isolamento, seja da forma vertical ou parcial, mas de forma a não correr riscos de uma segunda onda de contaminações, o que seria catastrófico. As medidas econômicas monetárias e fiscais tomadas deverão ser ainda maiores e aplicadas por um período bem mais longo do que inicialmente esperado. Investimentos pesados em saúde pública deverão ser tomados, mas sem nunca esquecer que há outros setores carentes de investimentos no Brasil, como segurança, educação e infraestrutura. Devemos nos preparar para redesenhar todas as nossas interações, seja no trabalho, na vida social, nos estudos, no lazer, nos esportes, enfim, será a adoção de um novo modelo de sociedade para os dias, semanas e meses que virão.