A criação e a própria existência daG5 Partners estão intimamente associadas a dois fatores fundamentais: a postura empreendedora de seus sócios e a sua vocação para servir e se relacionar com famílias empresárias. Com a publicação deste primeiro texto, inauguramos uma série de breves artigos contando as histórias de alguns dos empreendedores que, com competência visionária, sensibilidade estratégica, clareza de pensamento e, sobretudo, atitude positiva diante das adversidades, souberam forjar o sonho brasileiro de desenvolvimento, ao mesmo tempo em que sedimentaram em sua descendência os valores e a competência necessários para a continuidade de seu legado empresarial. Acreditamos que a preservação e divulgação da memória e dos feitos daqueles que nos antecederam se constituem atributos fundamentais para nortear as ações que, a seu tempo, construirão o nosso próprio legado. Segundo o memorialista mineiro Pedro Nava, “A memória dos que envelhecem […] é o elemento básico na construção da tradição familiar. Esse folclore jorra e vai vivendo do contato do moço com o velho, porque só este sabe que existiu em determinada ocasião o indivíduo cujo conhecimento pessoal não valia nada, mas cuja evocação é uma esmagadora oportunidade poética”. Nesse sentido, a escolha de Samuel Benchimol como o primeiro “Grande Empreendedor Brasileiro” a ser retratado nesta série de publicações não é casual. Ao contrário, trata-se de uma singela, porém justa, homenagem a uma das mais admiráveis e bem-sucedidas famílias empresárias brasileiras com a qual temos tido o privilégio de um relacionamento próximo e fluente. Homenagem que se estende a todos os herdeiros, diretos e indiretos, de Samuel, incluindo seu sobrinho-neto e sócio-fundador da G5 Partners, André Benchimol.
Samuel Benchimol
Durante o ciclo da borracha, em meados do século XIX, um grupo de famílias de origem e fé judaica imigrou do Marrocos para se estabelecer na região amazônica. Um desses imigrantes era Israel Isaac Benchimol, que se fixou na região do Tapajós (Pará) para exercer a atividade de comércio ambulante, navegando pelos rios da região. Israel Isaac faleceu precocemente, deixando apenas um descendente: Isaac Israel, nascido em 1887. Isaac chegou a ser mandado para o Marrocos durante parte de sua infância e adolescência, onde recebeu formação básica em contabilidade e línguas, retornando mais tarde para Belém do Pará, onde se empregaria no comércio local. Um pouco mais tarde, Isaac iniciou sua trajetória empreendedora na exploração de seringais localizados sobretudo na região da fronteira do sudoeste amazônico, onde hoje estão os estados de Rondônia e Acre. Constituiu família e chegou a prosperar, tornando-se um empresário de posses. Entretanto, em 1923, mesmo ano do nascimento de seu terceiro filho, Samuel, a economia da Amazônia sofreria um revés devastador a partir da entrada em mercado da borracha produzida no Sudeste Asiático. Em apenas três anos, Isaac e a maioria dos empresários locais perderiam quase todo o patrimônio construído nas décadas anteriores. Seria questão de tempo até que o jovem empresário se visse obrigado a decretar a falência de seus negócios.
Agora em Manaus, Isaac tentava se reerguer financeiramente atuando como contador e correspondente comercial. Nesse período, a família passou a viver segundo o regime da mais estrita economia, já que uma parte importante da renda de Isaac era reservada para o pagamento de suas dívidas comerciais, a fim de levantar a falência. Esse período de dificuldades e privações que caracterizariam toda a fase inicial de sua vida ficaria marcado para sempre na memória de Samuel. Da mesma forma, ele saberia também reconhecer o exemplo de seu pai, que não descansou até ver suas dívidas quitadas e sua reputação preservada. Aos 19 anos, Samuel foi emancipado por seu pai. Iniciou seus estudos na Faculdade de Direito em Manaus e associou-se ao seu irmão mais velho, Israel, na Benchimol & Irmão, empresa de representações de produtos farmacêuticos fundada em 1942 e conhecida pela marca Bemol. Na parte da manhã, Samuel cursava a faculdade, à tarde, trabalhava com o irmão, e, à noite, lecionava Economia Política na Escola de Comércio Solon de Lucena. Na escola, Samuel interessava-se, sobretudo, por Sociologia, o que o levou a empreender uma pesquisa de campo sobre a migração dos nordestinos em direção à Amazônia. A excelência de sua tese de graduação foi tal que o tornou figura conhecida junto à Academia brasileira. Em 1946, seis meses apenas após sua formatura, ele receberia uma bolsa de estudos de pós-graduação na Miami University, em Ohio, nos Estados Unidos. Lá permaneceu por 18 meses, cursando Sociologia, Economia, Antropologia, Cultura, Ecologia e Geografia Humana Regional. Esse período seria decisivo para completar a formação científica e humanística do homem de curiosidade inata, interesses amplos e que se manteria fiel à sua terra e às suas raízes por toda a sua vida.
De volta a Manaus, Samuel retomaria suas atividades na Bemol. Valendo-se das experiências e relacionamentos desenvolvidos durante a estada nos Estados Unidos, busca ampliar a atuação da empresa. De particular importância foi a conquista dos direitos de representação em bases exclusivas do laboratório Cutter, de Berkeley (Califórnia), que produzia alguns dos antibióticos que estavam revolucionando o tratamento de inúmeras doenças naquele momento. O sucesso atingido com a venda da nova penicilina permitiu a montagem de uma rede de revendedores em Manaus e em outros estados do Norte. Com o passar dos anos, a natureza empreendedora e dinâmica de Samuel levou à expansão da atuação da Bemol. Em poucos anos, a empresa passaria a comprar e distribuir farinha do Pará e tabaco de Bragança. Um pouco depois, o portfólio de produtos incluiria sal, cerveja, cambraia de linho importada da Europa e até apólices de seguro de transporte, incêndio e acidentes pessoais. Negócios mais vultosos seriam realizados um pouco mais tarde com a importação de farinha de trigo dos Estados Unidos e de cimento europeu. No caso do cimento, Samuel logo percebeu que o frete do produto comprado na Europa representava um importante componente do custo total de importação. Decidiu, então, fretar um navio especialmente dedicado a esse tipo de viagem, o que lhe garantiu um custo final de importação 20% mais barato do que o da concorrência. A partir dessa experiência, os irmãos Benchimol passaram a diversificar e ampliar cada vez mais a pauta de importação, incluindo produtos alimentícios como bacalhau da Noruega, azeite, castanhas e nozes de Portugal e batata e cebola da Holanda. Em vez de comprar dos grandes importadores do Rio de Janeiro, como a maioria dos comerciantes de Manaus fazia, a Bemol negociava diretamente com os produtores europeus, obtendo assim grande êxito comercial e financeiro.
Sempre atento a novas oportunidades, Samuel interessou-se, na década de 1960, pela importação de máquinas de costura. Esse mercado era, então, dominado pela empresa Singer, mas uma concorrente chamada New Yorker havia recém lançado um novo produto, de boa qualidade e fabricado no Japão, com preço bem competitivo. A Bemol decidiu, então, importá-lo, numa decisão que mudaria de forma definitiva a trajetória da empresa. Para concorrer com a Singer, era preciso vender diretamente ao público consumidor por meio de uma rede de pontos comerciais e oferecendo um sistema de crediário com prazos de pagamento variando entre 12 e 24 meses. Uma vez implementado o novo sistema, a expansão da linha de produtos vendidos pela Bemol foi natural e passou a incluir geladeiras, eletrodomésticos, ventiladores, armários e fogões. Nessa mesma época, Manaus se preparava para a entrada em operação de uma refinaria de petróleo com o objetivo de produzir gasolina, querosene, óleo diesel e gás liquefeito de petróleo (GLP). Percebendo a oportunidade que se apresentava, Samuel fundou uma nova empresa, a Fogás, juntamente com seus irmãos Israel e Saul. Em mais um momento de brilhantismo empreendedor, a Fogás se antecipou ao início da operação da Refinaria de Manaus e comprou um lote de fogões da marca Brasil e dois mil bujões da Mangels, enchidos com gás da Companhia Paulista de Gás e transportados de navio até Manaus. Iniciava-se ali mais uma história de sucesso empresarial. Sob a gestão de Samuel e seus irmãos, ao longo dos anos, a Fogás expandiria sua presença geográfica para atuar no Acre, Amazonas, Rondônia, Acre, Roraima, Pará, Amapá e Mato Grosso, adquirindo um navio butaneiro e uma série de balsas com rebocadores para viabilizar a logística de distribuição do GLP. Em poucos anos, a empresa se tornaria a líder inconteste na distribuição de gás em toda a região amazônica.
Na biografia de Samuel, escrita pelo Prof. Jacques Marcovitch, o autor nota outro aspecto admirável de sua trajetória ao dizer que “não bastasse a sua intensa atividade empresarial, Samuel conseguiu manter sua carreira universitária como professor e pesquisador ao longo de toda sua vida. Foi professor catedrático de Economia Política na Faculdade de Direito, de 1954 a 1974; professor titular de Introdução à Economia na Faculdade de Estudos Sociais, de 1974 a 1977; e Professor de Introdução à Amazônia, na Faculdade de Direito, de 1979 a 1999, quando se tornou professor emérito da Universidade do Amazonas. Sua vasta produção intelectual compreende 110 publicações, entre artigos e livros, abordando temas de economia, sociologia, história, administração, política e ecologia, todos eles relativos à Amazônia”. Por todas essas contribuições, Samuel se tornou um dos principais especialistas da região amazônica. Contribuiu no estudo de aspectos sociais no domínio da economia da região da Amazônia. Foi também um dos primeiros a defender a necessidade de promover o desenvolvimento sustentável da região, respeitando quatro diretivas fundamentais: ser economicamente viável, ecologicamente adequado, politicamente equilibrado e socialmente justo. Em reconhecimento a esse importante legado, o governo brasileiro instituiu o “Prêmio Prof. Samuel Benchimol” em sua homenagem, anualmente atribuído em três categorias a pessoas que tenham contribuído de forma substancial para o entendimento da região Amazônica. Ao contrário de muitos que defendem a tese de que não se deve misturar negócios e família, Samuel acreditava que as famílias empresárias se alicerçam numa importante vantagem por compartilharem dos mesmos valores e princípios que servirão de orientação para as decisões no dia a dia. Mas ele também não ignorou o enorme desafio que qualquer empresa familiar enfrenta em momentos de sucessão. Pensou no assunto com antecedência e partiu do princípio de que a empresa deveria ser dirigida por um único sucessor, e não por um colegiado. Um sucessor que “não deveria ser imposto, mas que aflorasse naturalmente através da sua liderança e do consenso entre os sócios familiares”. A julgar pelo sucesso mantido até hoje pelas empresas fundadas por Samuel Benchimol, que receberam contribuições de vários membros da família de segunda e terceira gerações, como filhos, sobrinhos, genro e netos, percebe-se que, mais uma vez, Samuel soube colocar em prática toda a sua sensibilidade humanística e seu talento empreendedor para conjugar união familiar com sucesso empresarial.
[1] MARCOVITCH, Jacques, Pioneiros & Empreendedores – A Saga do Desenvolvimento no Brasil, Volume 3, Editora da Universidade de São Paulo, 2012
[2] BENCHIMOL, Samuel, Eretz Amazônia: Os Judeus da Amazônia, Editora Valer, 1998
[3] NAVA, Pedro, Memórias: Baú de Ossos, Editora Sabiá, 1972
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