
Por Levindo Santos, sócio-sênior da G5 Partners
Vivemos atualmente um contexto de incertezas e impactos profundos decorrentes da pandemia da Covid-19. Ainda não temos a dimensão completa desses acontecimentos e, principalmente, de como se dará o retorno à normalidade das nossas atividades de dia a dia. Obviamente, tanto os impactos da crise quanto o processo de recuperação econômica serão distintos para diferentes países, setores e empresas.
Quando falamos em fusões e aquisições, na sigla em inglês M&A, é necessário entender que há duas formas básicas e muito distintas em que esse tipo de estratégia é utilizada para atingir objetivos corporativos. As aquisições, em si, são situações em que há um “agente de aquisição” absorvendo uma “empresa-alvo”. Já na “fusão” — independentemente da forma jurídica utilizada para sua implementação no Brasil — vemos tipicamente duas empresas que consolidam suas atividades e seus quadros societários.
Como é comum nos períodos de crise econômica, a maior parte das empresas logo percebe que o caixa é o principal ativo a ser preservado. Na situação atual, isso já ocorreu e levou à suspensão de muitas das transações de aquisição que estavam em discussão, pelo menos até que se tenha maior clareza sobre o futuro. Houve também transações — muitas das quais já haviam sido anunciadas publicamente — que acabaram canceladas. Nesses casos, pelo menos uma das partes chegou à conclusão de que, em decorrência da atual crise, não havia mais condições de se concretizar a transação proposta. De fato, os dados de março de 2020 já mostram uma queda no volume das transações de M&A da ordem de 40%, relativamente ao mês anterior — uma tendência que deverá se confirmar nos próximos meses.
Entretanto, há situações que prosperam mesmo no atual contexto econômico, por envolverem empresas de setores que não tenham sido fortemente afetados ou que até tenham sido, em alguma medida, beneficiados pela crise. Exemplos incluem: saúde (empresas de gestão de pacientes, plataformas de telemedicina, inteligência de gestão hospitalar e do segmento de healthtech), produtos alimentícios (especialmente alimentos shelf stable ou que ofereçam alguma conveniência), varejo alimentício (incluindo plataformas de vendas on-line e com capacidade de entrega, redes de supermercados e até os chamados “restaurantes fantasmas”), tecnologia da informação, de forma geral, e de serviços de telecomunicação (como as plataformas de videoconferência, streamings de vídeo e áudio, entre outras). Nesses setores, espera-se uma intensificação da atividade geral de M&A.
Um aspecto interessante a se ressaltar é que, quando observamos os ciclos econômicos passados, percebemos que a atividade de M&A possui uma forte correlação com o nível de atividade do mercado de equities, ou seja, da bolsa de valores. Em períodos de expansão econômica, as empresas tendem a ficar mais capitalizadas. Com acesso facilitado a capital, essas companhias buscam acelerar seu crescimento e, invariavelmente, intensificam o uso de estratégias de fusões e aquisições. Já nos períodos de retração econômica, o contrário ocorre, levando a uma retração do volume total das transações.
Entretanto, o que se nota é que os resultados de longo prazo das transações implementadas em tempos de desaceleração econômica tendem a ser mais consistentes do que aquelas concluídas em períodos de expansão. Parece contra intuitivo, mas há uma explicação. Em períodos recessivos, a redução da atividade econômica leva a uma reprecificação dos ativos, de forma geral, tornando-os relativamente mais baratos. Além disso, com a redução do número de “compradores”, as transações de M&A tendem a ser executadas em um ambiente de menor concorrência e com maior disciplina pelos investidores estratégicos, levando a melhores resultados no longo prazo.
Outro aspecto interessante dos cenários de recessão prolongada é que as fusões tendem a ganhar mais protagonismo. Como essas transações não necessariamente se valem de caixa para sua implementação, o argumento motivacional tende a ser defensivo. Assim, duas empresas que se percebem complementares podem se fundir para buscar maior racionalização de custos ou se tornarem mais competitivas, a partir da consolidação de diferentes elos de uma mesma cadeia produtiva.
Outro propulsor da atividade de M&A em períodos de crise é que várias empresas precisam renegociar seus passivos, seja de forma voluntária ou no contexto de recuperações judiciais formais. Na maioria desses casos, uma solução para a dívida passa pela venda de alguns de seus ativos. Há hoje no Brasil um grupo de investidores bastante sofisticado, especializado nessas situações e com bom conhecimento sobre o arcabouço legal brasileiro que trata das restruturações financeiras. Acredito que esses investidores, ao lado de alguns estratégicos mais capitalizados, terão um papel ainda mais relevante na atividade de M&A pós Covid-19.
Outro agente econômico importante que deverá intensificar o uso de estratégias de M&A nesse período são os fundos de privaty equity. Esse grupo inclui diversos investidores bem capitalizados e que conhecem profundamente o Brasil. No atual contexto, esses agentes deverão beneficiar-se da migração da demanda de capital por parte de empresas, do “public” para o “private” equity. Na sequência, as empresas se beneficiarão do capital aportado por esses investidores para acelerar seu crescimento por meio de aquisições seletivas.
Por fim, destaco o papel que o governo brasileiro continuará desempenhando como agente catalisador de transações de fusões e aquisições, seja de forma direta ou indireta. Como exemplo, a Petrobras, que por meio do seu programa de desinvestimentos deverá continuar patrocinando diversas transações de M&A no setor de óleo e gás natural. Além disso, há uma expectativa de que o programa de desestatização nacional — um dos pilares da política econômica do atual governo — volte a ser implementado de forma mais relevante, tão logo as condições de mercado permitam.